KOSMOS - Breve pré-história da Ficção Científica - Parte 2

Façamos agora um ponto da situação.
Estamos no século XVIII, o século das
luzes, com a razão a transitar para o industrializado século XIX. O Homem já
não habita mais o centro do Universo e os avanços e descobertas científicas
começam a desvendar os contornos da sua natureza biológica e evolutiva. O Homem
deixa de ser o centro da criação e tem lugar igual aos dos outros animais e
plantas que com ele coabitam um mesmo planeta, com uma história geológica até
então inimaginável e insuspeita. Como anteriormente, e sob uma base de conhecimento
científico, os medos e os sonhos catárticos desaguam em novos e fantasiosos
romances.
Em
1818, Mary Shelley publica “Frankenstein”. Este
outro best-seller da literatura mundial é por alguns autores considerado a obra
que define o início do género literário de cuja pré-história temos vindo a alinhavar.
Conjuntamente com outro livro de Mary Shelley, “O Último Homem”, publicado em
1826, o figurino do romance científico começa a florestar os territórios da
literatura e a ganhar estatuto de gênero literário próprio.
É de referir ainda uma outra obra,
incontornável na integração romanceada do novo conhecimento científico sobre a
evolução das espécies e da natureza química e biológica do homem: “O Médico e o
Monstro”, escrito em 1886 por Robert Louis Stevenson. Este é outro exemplo
excelente do novo romance científico do século XIX, em que as pulsões
animalescas e humanas compaginam numa natureza humana una, num conflito
imemorial sobre a natureza e lugar do homem na sociedade à luz do conhecimento
científico da época.
Recorde-se que Charles Darwin tinha
publicado em 1859 um dos principais livros da história da ciência: “A Origem
das Espécies”. Com ele revolucionou o panorama científico e religioso da época,
o entendimento sobre a evolução do próprio homem, numa sociedade já por si
transformada pela revolução industrial fruto da ciência e da tecnologia.
A ficção científica borbulhava a todo
o vapor num espaço que a física moderna estava então a atomizar e relativizar e
em que a telefonia sem fios permitia a comunicação à distância, através do ar,
na concretização tecnológica do que antes teria sido pura magia (e bruxaria).
Como escreveu Sir Arthur C. Clarke “a
tecnologia suficientemente avançada é pura magia”. Recorde-se que C. Clarke é
considerado o “pai” do primeiro satélite de comunicações geoestacionário, para
além de ter sido um profícuo escritor de ficção científica. Exemplo maior é a
sua obra “2001- uma Odisseia no Espaço” (que viria a servir de matriz para o
guião do filme homônimo realizado por Stanley Kubrick). Mais uma vez ciência,
tecnologia e ficção coexistem numa mesma personalidade.
A ficção científica, ao fixar ciências
e tecnologias descontextualizadas no tempo e no espaço, permitiu a discussão de
hipóteses, conjecturas, ideias, sonhos (que são força motriz do conhecimento e
da confiança no ser humano em resolver problemas), que de outra forma seriam
sublimados sob o calor de uma fogueira inquisitorial. É a extrapolação do que
se conhece cientificamente e que através do sonho se projeta para um futuro de
esperança.
E, por último, o fim da pré-história
da ficção científica. Principal e indubitavelmente com Júlio Verne e com H.G.
Wells, o gênero afirma-se distinguível de qualquer outro e atinge um admirável
mundo novo, desde a Lua ao centro da Terra, em que as viagens no tempo e no
espaço ultrapassam todos os limites físicos conhecidos, mas passando sempre e
sempre pela reflexão sobre a natureza, origem e destino do próprio homem por
universos em expansão.
Nota: As obras e os autores e cientistas
referidos ao longo deste texto são os de referência para traçar uma linha
condutora e cronológica para uma pré-história do gênero compreendido pela
ficção científica. Outras haverá por incluir. Quase todas estão por traduzir
para a língua portuguesa. Assim, este texto pretende ser mais um ponto de
partida para uma viagem pelo imaginário humano, do que uma lista exaustiva e
acabada de uma história ainda muito pouco conhecida e consensual.
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Texto por: António Piedade
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